sexta-feira, 8 de junho de 2007

A burka brasileira

Tempos atrás, Tony Blair se viu em palpos de aranha quando afirmou que a burka usada pelas mulheres muçulmanas era uma barreira que evitava a integração delas à sociedade inglesa. Eu pessoalmente acho o mesmo -- não é fácil falar com alguém que "se esconde". Dar as caras é típico da nossa cultura e facilita a comunicação. Ver um sorriso ou uma lágrima vale mil palavras.

Bom, tudo isso para dizer que voltando à São Paulo em férias, dou-me conta de que facilmente mais de 50% dos carros tem o vidro escuro, vidro que praticamente impede a visão para o interior do veículo.

As razões de segurança são questionáveis. Um seqüestrador que já esteja dentro do carro também estará mais seguro, não é? E se os vidros realmente ajudassem na segurança, o número de assaltos teria diminuído -- será que isso aconteceu? Acho que toda vez que ouvimos alguém contar sobre um assalto, deveríamos perguntar: e o vidro do carro? Tinha película? Era escuro? Isso poderia nos dar uma idéia da eficácia da película. Acho que as respostas nos trariam algumas surpresas.

Além disso, eu não teria a menor dúvida que ele diminui a segurança no trânsito... sim, isso mesmo, se tenho dúvidas em relação a segurança contra ladrões e meliantes de toda espécie, não tenho dúvidas sobre a diminuição da segurança no trânsito. A tal película, se não impede, diminui bastante a visão. Ao entrar em um túnel ou de noite a tal película praticamente evita que vejamos o que acontece ao lado. Acho que deve haver aumentado o número de acidentes sérios e, principalmente, de acidentes menores -- arranhões laterais -- por causa dela. Em todo acidente também deveríamos perguntar: e o carro tinha vidros escuros?

A verdade é que eu acho que a tal película não é colocada por nenhum dos motivos acima -- ela é a "burka brasileira". Ela serve para afastar o pessoal da realidade urbana. Serve para no fim do dia, a pessoa entrar nesse espaço virtual que seria só dela, com ninguém para perturbá-la... um mundo virtual onde no "conforto" de seu ar condicionado e músicas, o motorista afasta-se da realidade opressiva do cotidiano. No entanto, isso trará conseqüências devastadoras socialmente. Se você está num carro com vidros escuros, fica difícil pedir passagem ou agradecer a passagem dada por outro carro. Fica difícil interagir com outras pessoas e dar ou receber um sorriso, fica difícil receber um agradecimento de alguém que esteja no outro carro com vidro escuro... fica difícil ser simpático, brincar, ou mesmo tentar entender porque alguém ficou bravo com você. E pior, para as pessoas menos afortunadas, para aquelas marginalizadas ou semi-marginalizadas, a cidade perde mais uma de suas características humanas -- em vez de rostos, agora o que se vê são bólidos com vidros negros passando pelas ruas. Se interagir com motoristas já era difícil, agora com tais bólidos é praticamente impossível.

Não saberia como resolver o problema. A impressão que eu tenho é que sempre que aparecem tendências sociais nesta cidade (SP), as coisas vão em direção ao individualismo e falta de solidariedade... e as reclamações desses mesmos habitantes aumentam proporcionalmente em relação ao individualismo e falta de solidariedade.

3 comentários:

João Lacerda disse...

Bela reflexão. Às vezes é preciso sair de uma rotina ou entrar em outra para nos darmos conta do significado e das conseqüências de certas "convenções sociais".

Siga escrevendo! ;)

abs

Felippe César Santana disse...

gostei do texto, bem interessante.

fazendo um breve comentário, eu não acredito que seja por causa do insulfilm, ou vulgarmente dizendo película, que as relações sociais se prejudiquem, eu acredito que o automóvel em si é um meio segregador, a película escura fortalece ainda mais essa idéia de exclusão....

e é por conta disso que eu defendo o uso da Bicicleta como meio de transporte na cidade, principalmente para pequenas distâncias, até 10km o ciclista consegue cobrir facilmente essa área, degustando de todos os cantos da cidades, seus cheiros, problemas e pessoas que por aquele caminho circulam...!!

ou também o transporte coletivo, como seu próprio nome diz, coletivo!

Abraços!

M. Ulisses Adirt disse...

Lindo texto e ótima reflexão. Parabéns.